terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

cinema + jantar à quinta feira: a sociedade do espectáculo


quinta-feira, 16 de fevereiro 20h30 (jantar seguido de filme)

A sociedade do espectáculo - Guy Debord, 1973 (83")
(francês, legendado em português)

"Se a novelle vague subverteu a linguagem, 68 transgrediu seus limites. A radical dissociação da imagem e som, a provocação e o jogo selam o total rompimento com a narrativa tradicional hegemônica. Há, porém, um precursor, que já fazia filmes com este radicalismo desde os anos 50. Um autoproclamado doutor em nada, o mais maldito entre os pensadores do século XX, que publicara em 67 um dos textos que mais influenciaram maio de 68, A sociedade do espetáculo.

Guy Debord via a sociedade atual como uma sucessão de espetáculos. Um mundo mediado por imagens, onde o real já não é diretamente apreensível. O homem passa a viver um presente perpétuo, no qual a sucessão histórica é suspensa – substituída pela sucessão de imagens. O capitalismo chegara a tal grau de evolução que controlava o tempo livre dos trabalhadores, reificando valores consumistas. Este controle se dá fundamentalmente pela imagem, que substitui o real por sua representação, com o filtro de valores da classe que detêm os meios de produção da imagem, esta já também alienada pelo próprio mecanismo que criou. Através da imagem “espetacularizada”, os trabalhadores incorporam os valores da burguesia, ansiando por seus padrões de consumo. O espetáculo é “o auto-retrato do poder na época de sua gestão totalitária das condições de existência.” “O espetáculo não canta o poder e suas armas, mas a mercadoria e suas paixões.”

Último exemplo de radical romântico, da estirpe de Baudelaire e Rimbaud, Debord habita até hoje as mentes de jovens radicais. Coerente com suas idéias, fugiu a todo e qualquer comprometimento com a sociedade que negava, alimentando sua fama de maldito. Subverteu a noção de autoria aproveitando-se da ideia de détournement (desvio), “esta técnica de reaproveitamento que remonta, por um lado, à colagem dadaísta e, por outro, às citações deformadas adotadas por Marx e Lautréamont”. Détournement “habitualmente pode ser traduzido por desvio, mas também significa subtração (ou sequestro, apropriação) e distanciamento.” Debord se utiliza desta técnica para a escrita de seus textos e também para a realização de seu cinema. Apropria-se de imagens de outros filmes subvertendo-lhes o sentido. A publicidade, o cinema documental e as grandes produções cinematográficas são, assim, sequestradas de seu significado original para constituir um discurso antissistêmico.

Debord procurou quebrar todos os lastros estabelecidos da cultura burguesa. Levou ao extremo a negação da cultura midiática através da provocação e reflexão, rompendo qualquer lógica de sedução da imagem. Defendia um novo conceito de arte, anticapitalista, radical e sem concessões, que não separa a arte da vida, introduzindo uma série de conceitos que serão fundamentais para a compreensão do cinema nos anos 60. Frente à racionalidade instrumental e à mercantilização do mundo, as formas artísticas são retiradas “do repertório da festa, do jogo, da poesia, da libertação da palavra.” Negava a idéia de arte eternizada, estandardizada, e defende uma arte que amplie a vida ao invés de traduzi-la. “O segredo e o poder das teorias situacionistas da década de 60 explica-se por tentar associar o conteúdo da nova revolução, anunciada pela arte, aos meios práticos de sua realização.”

Entre as atividades que exerceu, a que mais lhe seduziu foi o cinema, o qual considerava seu verdadeiro ofício. Realizou desde os anos 50 alguns filmes, que influenciarão muitos cineastas, entre eles Godard, levando-os a ultrapassar as barreiras da linguagem tradicional, chegando aos limites do experimento. O radicalismo do grupo Vertov soa como um tímido détournement das experiências de Debord. É bom lembrar que, enquanto Godard foi assimilado e aplaudido pela elite que pretendia atacar, Debord se manteve marginal (nos diversos sentidos que esta palavra possa carregar). Frente à cultura burguesa, Godard era um provocador, Debord, um terrorista."

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