A reafirmação da confiança em duas representantes da Es.Col.A para assinarem com a câmara do Porto um contrato de promessa de celebração de contrato de cedência temporária da antiga escola primária do Alto da Fontinha, nos moldes da minuta enviada nessa tarde pela divisão municipal de Gestão e Avaliação do Património, foi a mais importante conclusão da última assembleia da Es.Col.A. Para avançar com o processo de formalização da associação, quatro pessoas disponibilizaram-se para recolher informação, de forma a podermos tomar decisões sobre a via a seguir já na próxima assembleia, marcada para quarta-feira, 20 de Julho.
A 15ª assembleia da Es.Col.A, em que participaram mais de 40 pessoas, começou com a leitura de uma carta, em luso-belga perfeitamente perceptível, enviada por um companheiro temporariamente ausente no seu país de origem, que recebera ecos de que a anterior assembleia tinha despoletado divergências que poderiam levar algumas pessoas a abandonar o projecto. A missiva começava por lembrar o que provocara a ocupação da abandonada escola do Alto da Fontinha, a 10 de Abril, e o consequente apoio de moradores e outros simpatizantes, que cresceu após o violento processo de despejo, em 10 de Maio, o que demonstrou que a Es.Col.A é um projecto para continuar, se bem que tenha entrado numa fase difícil.
“Difícil porque discussões sobre contratos e a formação duma associação cansam, não motivam. Não são razões que incentivem a nossa participação. As razões são as actividades e a dinâmica enquanto a escola foi ocupada e a vontade de voltar a fazer ainda melhor o que nós já estávamos a fazer bem. É isto que nos dá prazer e felicidade e contribui para o nosso bem estar e o dos outros. Mas infelizmente não podemos fugir desses assuntos mais burocráticos. Somos obrigados a pensar e reflectir e a tomar decisões sobre o futuro que queremos dar à Es.Col.A.” Considerando que as dificuldades actuais se relacionam, em grande parte, com a diversidade das pessoas envolvidas no projecto, ficava o apelo para os presentes não se enganarem por divergências ideológicas supostamente incompatíveis, deixando cair um projecto que “tem marcado a história da ocupação no Porto”. “Cada indivíduo aqui presente vai ter de encontrar a sua maneira de lidar com essa diversidade, procurando um equilíbrio entre compromisso e consciência ideológica. É verdade, podemos sempre sair e separar caminhos neste projecto. É bom saber que temos essa liberdade. Uma liberdade que o sistema que tenciona governar-nos formalmente não permite. (…) Mas, até agora, a nossa maturidade como movimento venceu: a nossa insistência e senso de objectivo comum, a experiência de muitos e vontade de outros de aprender a utilizar as armas políticas do povo: acção directa, manifestações, música, arte, faixas, consenso… Isto tudo contextualizado num discurso público invencível que não nasceu por acaso. (…) Espero que nós, Es.Col.A, continuemos a vencer.(…) O futuro da Es.Col.A sempre dependeu só de nós e continuará a depender só de nós.”
Estes são apenas excertos de uma carta com mais de cinco mil caracteres, cuja leitura deu lugar a uma forte salva de palmas. Cerca de 20 minutos depois, ouvia-se nova salva de palmas, desta vez no final de uma explanação, em luso-polaco, com leve sotaque brasileiro, e também perfeitamente perceptível, sobre “como se chega ao consenso” e que começou por lembrar os princípios da Es.Col.A: autogestionado, livre de discriminações, não comercial, funciona por consenso.
E quais são as vantagens do consenso? Permite a inclusão de todas as pessoas envolvidas, uma vez que prevê alcançar uma decisão partilhada, tendo por base o respeito, a cooperação e o diálogo. Dá espaço à discussão e reflexão sobre o assunto, o processo é mais criativo, fortalece as relações, o grupo e a autogestão, e cada pessoa tem participação activa no grupo e no processo. Todos são ouvidos, ao contrário da votação, que cria minorias e maiorias, vencedores e perdedores.
Atingir o consenso pressupõe, antes de mais, que os objectivos sejam comuns. Exige compromisso, confiança e abertura, tempo. O processo tem de ser claro, tem de ser entendido por todos, e requer participação activa dos participantes. Implica uma boa facilitação. E qual é o papel do facilitador? Não tem qualquer poder sobre os outros, não faz propostas nem toma decisões pelo grupo. O papel dele é, tal como o nome indica, facilitar a discussão, focalizá-la, clarificar propostas que surgem, estar atento ao ambiente dentro do grupo e gerir eventuais conflitos. Precisa muito do apoio activo de todos os presentes.
As decisões por consenso só se concretizam se não houver bloqueios. Pode haver abstenção, que significa que a pessoa não concorda mas não impede a decisão. O bloqueio, no entanto, trava a decisão e obriga a regressar à discussão. É preciso saber bem o que é o bloqueio. Não significa simplesmente “discordo da decisão”, é uma posição contra a proposta. Tem de ser bem argumentado, para que o grupo perceba as razões. É um direito, para que não existam minorias. E a não aceitação do bloqueio vai contra os princípios do consenso, significa falta do respeito por outras opiniões, fragiliza o grupo e pode provocar a desistência de pessoas envolvidas.
O processo de decisões por consenso exige participação activa de todos, não podemos ser passivos como no voto. Como chegar lá? Fazer perguntas quando há dúvidas, ser flexivel, ter respeito pelos outros, explicar as opiniões de forma clara, fazer esforço para compreender outros pontos de vista, escutar de forma activa, não ter medo de conflitos e considerar as decisões em termos de bem estar do grupo e não em termos individuais.
Como conclusão dos dois primeiros momentos da assembleia, o facilitador de serviço lembrou que estamos num momento em que, tendo em conta o princípio da inclusão, devemos reflectir sobre o que é o consenso, evitando a expressão “vamos votar”.
Preparação da associação
Entretanto, foi dada a notícia que, pouco antes da assembleia começar, chegara ao email da Es.Col.A a minuta do contrato de promessa proposto pela câmara (info em câmara disponível para assinar contrato de promessa), cujas cláusulas foram lidas para todos ouvirem. Nada a opor, sendo reiterada a confiança nas duas representantes que o assinarão. Apenas foi manifestado algum desconforto da parte de uma das representantes (a outra esteve ausente) quanto ao facto da minuta se referir às segundas outorgantes como “responsáveis e promotoras” da Es.Col.A e da associação a constituir com o mesmo nome, por se tratar de um projecto de um grupo de pessoas e não exclusivamente de duas. Fez-se referência à ausência de data para o desemparedamento e entrega das chaves. O contrato de promessa obriga a constituir a associação Es.Col.A no prazo máximo de 30 dias úteis. A câmara quer assinar o contrato de cedência da ex-escola da Fontinha nos 10 dias úteis seguintes.
Sobre o futuro contrato surgiram alguns comentários: Temos de saber, quanto antes, que contrato nos propõem assinar, porque o processo de atingir o consenso na aprovação do contrato será demorado; Não nos podemos comprometer a assinar um contrato que não conhecemos; Acho que o contrato com a câmara vai ser envenenado e vai ser duro de roer.
Pensamentos e receios à parte, há que tratar da constituição da Es.Col.A como pessoa colectiva. Ficou então a saber-se que o presidente do Centro Social e Cultural Ilhéus (sedeado no Bonjardim e há tempos desactivado) mostrou disponibilidade para oferecer a associação à Es.Col.A. Moldura jurídica e conta bancária são os únicos bens da colectividade. A proposta tem por objectivo facilitar a constituição da associação Es.Col.A, poupando-se os 250€ que custa criar uma associação na hora.
Várias pessoas manifestaram-se pouco agradadas com a ideia, preferindo que seja criada uma associação de raiz. Uma associação na hora, com estatutos tipo, que podemos mudar posteriormente, para além de definirmos o regulamento interno. Por outro lado, como o contrato de promessa da câmara prevê que o contrato de cedência seja estabelecido especificamente com a associação Es.Col.A, questionou-se que vantagens tirar da oferta, quando será preciso gastar dinheiro para mudar o nome e os estatutos. E 30 dias chegarão para o fazer? E havendo dinheiro na conta do Ilhéus, também será oferecido? É que se assim for, dependendo da quantia, poderá dar para pagar as custas das alterações a fazer… E não será também preciso mudar a morada? E é preciso saber se o nome Es.Col.A está disponível no registo das associações. Se não for o caso, serão precisos mais 56€, e provavelmente essa verba aumentou, diz quem criou uma associação na hora há um ano e pagou nessa altura 170€ por algo que agora custa 250.
Como ninguém estava devidamente esclarecido para tirar as dúvidas que surgiam, quatro pessoas ofereceram-se para se informar sobre os cenários possíveis: fazer uma assocação de raiz ou aproveitar a oferta do Ilhéus e fazer posterior alteração do nome. Saber o que é necessário, saber custos, saber tempos. De forma a termos uma base que nos permita tomar decisões na próxima assembleia, marcada para cinco dias depois.
A 15ª assembleia chegava ao fim, era altura de merendar. Apesar de ter falhado a animação prevista no programa, o pessoal estava animado. Nem todos ficaram para o cair da noite, mas o Largo da Fontinha teve convívio até depois das 22h30, hora a que começaram as arrumações. Na memória ficaram as imagens, projectadas numa tela pendurada numa árvore, da Es.Col.A na escola, depoimentos de moradores da Fontinha e o vídeo sobre Kukutza III Gaztetxea, um caso de sucesso de uma okupa em Bilbau, que recebeu recentemente ordem de despejo (info em pt.indymedia.org/conteudo/newswire/5148).
Sem comentários:
Enviar um comentário